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“Tudo o que as crianças falam importa”

16/09/2020

A psicopedagoga Ana Celina Vasconcelos é diretora da Clínica Psicopedagógica do Pró-Saber. Junto com sua equipe, formada por 12 psicopedagogas e três estagiárias, ela organizou a volta do atendimento, suspenso desde março. Depois de uma etapa de testes, em junho, a clínica voltou à atividade em agosto, atendendo on-line 75 crianças. Nesta entrevista, Celina conta como está sendo a experiência, como foi gratificante a reação de todos – equipe, famílias e crianças – à ideia de retomar o trabalho e relata a alegria com os primeiros resultados.

Como foi a preparação para a volta ao trabalho?

Desde o primeiro momento, nós nos esforçamos para manter o vínculo com as famílias. Toda semana a equipe fazia contato por telefone. Ninguém tinha ideia de que a quarentena duraria tanto tempo, e foi importante acompanhar e perceber como cada um estava se sentindo e reagindo à situação. Quando entramos no terceiro mês de quarentena, vimos que era preciso pensar em voltar. Fizemos uma enquete para levantar quantas crianças voltariam e as condições em que poderiam voltar: se tinham internet em casa, se poderiam usar celular, computador, telefone. Essa preparação foi importante para garantir que a expectativa não se transformasse em frustração. O interesse foi muito grande. Atualmente estão em atendimento 75 crianças.

Quais as dificuldades que vocês encontraram no atendimento on-line?

As previsíveis. Má qualidade da internet, dificuldade de fixar uma rotina de horários, por exemplo. Nada muito fora do comum. Um aspecto que nos preocupou bastante no período do planejamento foi a privacidade. Muitas crianças vivem em residências pequenas, sem um espaço só para ela na hora do atendimento.

E como isso está sendo resolvido?

Decidimos que íamos trabalhar na situação em que a criança estivesse. Não importava se tinha gente na sala, se tinha gente intervindo, se estava com o irmãozinho junto. O importante era acolher do jeito que eles aparecessem. Porque da mesma forma que eles vêm à nossa casa, nós entramos na casa deles. Então, às vezes tem um avô passando, alguém pergunta alguma coisa, oferece um lanche... Percebemos que é uma nova situação, não um problema. Até agora só houve um caso em que foi preciso telefonar e pedir um ambiente um pouco mais silencioso para a criança poder participar.

Vocês já percebem algum avanço em relação ao momento inicial da retomada?

Como acontece em tudo, tivemos um momento inicial de surpresa, e agora é preciso lidar com o que vai aparecendo. Por exemplo: horário. Como fazer para eles terem um horário e chegarem na hora certa? E quando tem problema na internet? Na verdade, isso faz parte da clínica. As questões aparecem e o processo vai acontecendo. Tem crianças que estão entrando super tranquilas, outras menos. O bom é que já existe uma rotina, já saímos do primeiro susto, da aproximação, e estamos caminhando para um atendimento normal.

Quais são os assuntos principais trazidos pelas crianças?

A pandemia é um assunto, claro, mas não é o único. Conversamos sobre o que eles fizeram, como estão vivendo. Já fizemos pão de queijo, envolvendo as famílias. Aí teve a leitura da receita, a separação dos ingredientes, a preparação toda. Tem brincadeira de massinha, de forca, alguns jogam Uno no computador. E o que nós estamos trabalhando com tudo isso é a expressão oral deles. É um aprendizado importante esse, de conversar em grupo à distância. São 50 minutos para falar, ceder a vez para o outro, se organizar para fazer uma pergunta ou responder a alguma questão levantada pela psicopedagoga. O que eles estão ganhando é na oralidade. Eles têm que conseguir falar alguma coisa. Quando estão juntos presencialmente, é muito mais fácil. Um empurra o outro, cutuca, pega um objeto.

Como está funcionando a dinâmica do atendimento?

A gente tentou manter o mesmo horário do atendimento feito na clínica, não só para ter uma rotina mais “normal”, mas também porque tínhamos esperança de voltar logo, então era importante não haver grandes alterações. Para ajudar nisso, as psicopedagogas telefonam na véspera para lembrar do atendimento e do horário.

As crianças ajudam muito nas operações, participam mostrando como liga, desliga. Quando congela eles falam “sai e volta”. A gente tem seguido as orientações deles e está dando certo. Claro que tem crianças que ficam irritadas quando acontece algum problema. A gente sente que tem um gasto de energia maior do que quando a gente está no Pró-Saber. Mas é o jeito. Então vamos tocar. E a Psicopedagogia é isso: saltar obstáculos o tempo inteiro. Construir conhecimento do jeito que for.

As crianças maiores têm mais facilidade?

Os adolescentes têm mais intimidade com a tecnologia, mas têm mais dificuldade com horários. Eles não cumprem tanto. Às vezes a mãe teve que sair para trabalhar e ele foi para a casa de um colega, ou da tia, ou da vizinha. Aí quando chega na hora ele não está, ou se atrasa.

Que diferenças a equipe nota nos adolescentes em relação ao atendimento presencial?

Eles estão falando mais, contando mais, estão um pouco mais responsáveis. Eles perceberem que tem alguma ameaça lá fora, além de todas as ameaças que eles sofrem por viver em uma cidade violenta. Mas sobre a ameaça do coronavírus eles podem fazer alguma coisa. Podem botar máscara, lavar a mão. Isso faz muita diferença.  

Do que eles sentem mais falta?

Dos amigos. A escola como lugar de companheirismo, de estar junto. Eles podem não sentir falta da aula, do dever. Mas sentem falta desse espaço onde se encontram com outras pessoas. Isso é bem forte. As crianças cujas escolas não estão fazendo nenhuma atividade na quarentena estão especialmente frustradas.

Eles enxergam alguma vantagem nessa situação?

Poucas. Não ter dever, nem trânsito, por exemplo. Mas eles têm saudade da escola, e também têm saudade de ir ao Pró-Saber. Têm um vínculo com o Pró-Saber e com aquele espaço de acolhida, em que eles sabem que tem alguém interessado em ouvi-los. Isso é muito forte. Tudo importa. Tudo o que eles falam importa. Nós fizemos uma oficina com a equipe e a jornalista portuguesa Carolina Malta Cardoso Pezzoni. Ela está terminando um doutorado que tem como tema “Toda história importa”. Foi uma oficina de escrita, porque a gente quer contar essa história. As psicopedagogas produzem relatórios toda semana e compartilham com a equipe. É a partir desse material e das perguntas que nos foram feitas na oficina que vamos construir nossa narrativa.  A ideia é que depois essa oficina seja replicada para as crianças, para que elas também registrem suas histórias.

Até quando vocês vão manter o atendimento remoto?

A perspectiva é ficar nessa modalidade de atendimento pelo menos até o final do ano. São muitas crianças, muitas psicopedagogas, muitas pessoas que levam e buscam, tem transporte. O cuidado maior agora é ficar todo mundo em casa, mas com atendimento, e dentro da rotina.


“Pró-Saber ... lugar de... 

Fazer novos amigos 

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 Yasmin Silva dos Santos 13/08/2020 

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